segunda-feira, 30 de maio de 2011

Um Par

          Ela o observa chegar, mais uma vez. Prostrada, finge que dorme – o que não faria muita diferença. Há meses tem sido assim. Nem se cumprimentam. Aliás, a relação nunca fora assim, tão boa. Eles eram diferentes. Havia amor, sim.
          Houvera bem antes o amor pelo pai. Esse já se fora. Mas os filhos, esses não se vão. Desses, não há como separar-se. Quando ele ainda era criança, era diferente. Embora não ousasse disfarçar sua predileção pelo pai, a relação se sustentava em pilares ocultos de troca sem garantia. Afinal, mãe é feita para doar...
        Mas ele cresceu, e após o divórcio, resolveu jogar limpo. Por para fora aquilo que o revoltava: Era culpa dela.
         Ele entra e vai direto para o quarto. Comportamento previsível. Às vezes surpreende e chega acompanhado. A namorada há tempos frequenta a casa e também não dirige a palavra a ninguém. Ela não gosta disso, e também não disfarça. Apesar dos recados, o que resta é somente um sofrimento calado. Aquelas lágrimas contidas pelo travesseiro.
       Mas ela está acostumada a sofrer. Lembra-se das brigas do passado, em que era sempre tantos alvos.
       Ele não se demora no quarto. Veio pegar não se sabe o que. Estaria ele envolvido novamente? Ele ganhava dinheiro fácil. E muito, a ponto de dar presentes. Ela já havia recebido. Ela sempre desconfiava, e ele respondia com chantagens. Menino mimado, ele aproveitava disso. Pedia o que via na TV. E sempre queria mais. Ele não tinha limites, e a culpada era ela.
      Com os olhos quase cerrados, ela o viu sair, de roupa trocada. Como tantas vezes, colocou a camisa do time. O mesmo time do pai, de quem tinha também o mesmo nome.
      Agora ele nunca avisa onde é o jogo de domingo, mas pelo menos não se demora. São outros tempos, em que o silêncio substituiu as brigas. Ela se questiona sobre o que havia deixado faltar. E quando. Em que parte da história. Foi quando o divórcio aconteceu. A vedade é que eles sempre estiveram ligados ao casamento. Talvez ele só tivesse acontecido porque ele já existia. Nunca houvera um par, e a culpa era dela.
Inspirado na música de Rodrigo Amarante.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A maçã

     “Se eu te amo e tu me amas, um amor a dois profana, o amor de todos os mortais...”

     Parecia simples pra ela pensar assim, porque desde que cresceu sonhou com a chegada do seu príncipe encantado, aquele que seria apenas dela... apenas dela?
     Quando cresceu descobriu que os príncipes encantados não existem, o que existe são apenas mortais, são maçãs, que no fundo são todas iguais, assim como ela, em busca de algo maior, em busca de um amor verdadeiro, em busca do “pra sempre”... mas pra sempre parecia longe demais.
     A beleza dele era incomparável, algo que jamais havia visto, e quando trocaram as primeiras palavras a paixão foi a primeira vista... a paixão.
     Ela sabia que era muito cobiçado, sabia que bastava chamar que outra logo aparecia, mas resolveu arriscar, mesmo sem saber lidar muito bem com o até então novo sentimento de ... ciúmes??
     O que seria o ciúmes? É correto prender alguém como um santo no altar, em um mundo tão cheio de possibilidades?
     Sua família era contra esse romance, até porque o príncipe parecia maduro demais pra mocinha, que juntos resolveram cuidar de suas próprias vidas, e sem ninguém saber fugiram, pra longe e pra sempre...pra sempre...
     Os anos se passaram, ela estava cada vez mais ligada nesse amor que parecia só crescer, ela já sabia que ele era o escolhido pra morar junto dela, e ela queria tudo, queria o possuir de todas as maneiras, de todas as formas, queria tua alma, teu corpo, queria ele completo, mas algo ali dentro dizia que isso não era tão simples assim, porque além dos dois existia muita gente do lado de fora daquilo que ela construiu... triste pensar nisso, ou seria também a sua oportunidade de saber quem são essas pessoas?
     Aquilo ainda era muito confuso pra ela, tudo se bagunçava em sua cabeça... esperava por horas ele chegar de madrugada dizendo que estava com os amigos, procurava em seus bolsos algo que pudesse o condenar pra sempre, ela queria encontrar algum motivo que justificasse tudo que sentia... mas não encontrava e aquilo estava a corroendo. O fato de estar longe de sua família e ninguém poder saber desse romance piorava a situação.
     O tempo parecia passar rápido demais, parecia que ontem eles haviam trocado o primeiro olá, parecia que semana passada ela havia mudado toda a sua vida pra morar com alguém que tinha certeza ser só dela.
Sim, ela estava enlouquecendo e não se deu conta disso, ela continuava buscando provas, procurando razões, e resolveu ser mais direta...
     - Você me trairia?
     - Se esse amor ficar entre nós dois, vai ser tão pobre amor, vai se gastar...
     Ela agora sabia o que procurava, revirou as gavetas, encontrou o que queria e tudo se silenciou ao som de dois tiros...
     Ela o libertou, talvez assim o amor durasse pra sempre... e vendo ele deitado no chão da sala se sentiu satisfeita em saber que não mais o privaria do que mais venerava, a beleza de deitar...
     Alguns anos depois, a princesa parecia viver a verdadeira fábula, estava presa em sua torre, a espera de algo que pudesse a resgatar, não dali, mas da vida...
     Um dia foi surpreendida por uma visita de um familiar, que depois de muito procurar a encontrou, ele trazia algo pra ela... um bilhete que tinha sido encontrado nas coisas dele... sem entender muito ela abriu aquele papel já bem amassado e com os olhos cheios de lágrimas viu que era sim a sua letra... e o bilhete dizia palavras que talvez ela nunca quisesse ouvir:

     “Quer se casar comigo? Agora esse amor já não mais ficará entre nós dois, vai ser tão rico amor... vai aumentar!!”

Inspirado na música de Raul Seixas e Paulo Coelho.




quarta-feira, 4 de maio de 2011

Mérito e o Monstro

"Pra dilatarmos a alma temos que nos desfazer pra nos tornarmos imortais a gente tem que aprender a morrer com tudo aquilo que fomos e tudo aquilo que somos nós"
Um suicídio a cada dia, assim a vida segue de maneira automática, pessoas vivem enquanto eu morro pra existir, mato-me para crescer e morro sem errar.
Hoje é simples...
Basta que eu morra, pra mais tarde então viver.
Tanta luz, tanta estrada, tantas voltas e tanta paz.
Hoje é simples, e agora, é viagem.Tudo em volta é real.
Mártires dessa história, hipotéticos como nós. Uma troca tão valente, medidas tão exatas, e o vencedor então sou eu.
Te entrego minha vida, tenho em troca o que sou.
Escolha da razão, deixando de ser vão pra mais tarde não saber.
Entre sonhos, paradoxos, entre medos os próprios sonhos, hoje é simples, basta apenas acordar.


Inspirado na música de Fernando Anitelli.