segunda-feira, 27 de junho de 2011

Quase Nada

          Estação da Luz. Integração entre trem e metrô. Eu, sentado há umas três estações. Faltam ainda cinco até o destino final. Minha casa! Não vejo a hora de tomar um banho quente e me livrar de todas as aporrinhações desse dia que quero esquecer. Sem emprego, sem destino. Será que meu lugar é mesmo essa metrópole? A capital paulista hoje quer me engolir, entre choros e lamentações. A porta se abre. Sei lá quantos entram e quantos saem. Nem quero saber o fluxo diário de passageiros. Bando de idiotas caçando ilusões. Assim como eu, muitos abandonam sua cidade, seu estado, sua origem. Fazer o que aqui? Nessa selva de concreto onde governam homens sem coração. Sem educação! Alguém pisa no meu pé, na ânsia de conseguir um lugar para sentar. Poxa, mas é sempre esse aperto, esses empurrões. Não, nem quero reclamar. Quem senta do meu lado é uma menina linda. Roupa social. Do canto do olho, só vejo a calça e o sapato, ambos pretos, talvez algum uniforme. E o cheiro, ah o cheiro. O encanto no ar me confunde e me desperta. Tenho que olhar!
_Quente hoje, não?
         Quente, como quente? Um dos dias mais frios em São Paulo e é só isso que consigo falar? De um calor que existe somente dentro de mim. Depois que ela entrou nesse vagão, tenho mais vida, mais fúria. Quero conhecê-la, saber de onde veio, para onde vai!!!
_Licença, por favor!
        E assim, ela já se foi. O encontro durou duas estações. Dela, não sei nada. Nem nome, nem endereço. Nem mesmo sei o que essas duas estações significam. Um encontro, um atalho ou um desvio? Em que parte nossos caminhos se cruzam? Por quê? Vou embora sem respostas, não sei nada. Quase nada!
        Só sei que nesse dia claro e frio, eu mudei. A presença dela irradiou meu ser, outrora decepcionado. Um ser faminto que hoje recebeu um prato cheio de comida. Mais vida e mais beleza ao sair desse vagão...

Inspirado na música de Zeca Baleiro e Alice Ruiz

terça-feira, 21 de junho de 2011

Natália

          E agora está tudo cinza, e que ironia, a pauta de hoje são as cinzas do Vulcão chileno, que invade o Uruguai , a Argentina, o Brasil, que invade minha vida. Você levou as cores de seus quadros, as cores do meu quarto, as cores dos meus dias, e tudo que sinto é saudade. Mas vamos falar de pesticidas, de tragédias radioativas. Aqui sentado nessa solidão cortante não consigo escrever nenhuma palavra para minha matéria. A solidão que sempre me foi uma excelente companhia nas horas produtivas de trabalho, agora imposta de encontro com o desejo de sentir sua pele e poder cantar seu nome, me dói como a falta de esperança. Quando a tristeza é sempre o ponto de partida, quando tudo é solidão é preciso acreditar num novo dia, você me diria, e eu responderia com a voz cheia: mágoa, ódio ou rancor, que ter esperança é hipocrisia, a felicidade é uma mentira, e será mesmo que a mentira é a salvação do mundo?
          Assumo meus erros, embora fossem cometidos todos iguais, talvez com menos frieza, menos rigor, os erros cometidos com amor são mais facilmente perdoados, notamos pelos crimes passionais, desculpe-me pela minha falta de passionalidade, mas eu, tão conhecedor dos males alheios não sou capaz de conhecer minha própria história. Foram a praticidade, frieza, e autocontrole que conquistaram a menina de nome cantado, de olhos tão negros que escondiam toda a beleza de sua arte. Mas conviver com o mistério foi nossa sentença, não conseguimos, decifrarmos e fomos devorados pela ânsia da vaidade de possuirmos, esse é meu declínio, e você, menina do nome lírico, minha doce Natália, tem o mundo em suas abstrações, possui agora todas as cores da minha vida, e minha razão e coerência invejam sua fantasia de que antes nunca pude falar.
          Eu não te dei nada além do meu silêncio, a ética da minha tola profissão, ou quem sabe o medo de amar, não me fizeram capaz de adorá-la e você não foi corrompida, não bebeu desse sangue imundo. E agora é tanta confusão que não consigo pensar, o vulcão vai ficar pra depois, talvez eu me aposente, talvez eu adormeça, talvez eu morra ou vire músico e ai então, quem sabe um dia eu escreva uma canção pra você.

Inspirado na música de Renato Russo.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Último Romance

  Eu encontrei-a quando já não queria mais encontrar o meu amor, mas isto foi depois. Encontrei-a muito antes e nos encontramos algumas vezes após esta primeira vez que já não era a primeira, pois éramos colegas de sala. Por ironia, nem havíamos nos percebido até aquela noite, em sua casa, naquela festa estranha, a primeira de sua república. Em meio ao tumulto de gente bêbada e música alta, vi só nós dois, olhando a noite, debruçados na janela, falando de cinema, música, achando gostos comuns. Também estava alcoolizado e mesmo namorado de outra, a quem eu não amava, tentei a sorte em lhe beijar, nem sabendo ao menos que ela já estava acompanhada. Esta foi a primeira vez. Nas que se seguiram, trocamos beijos, carícias e bilhetes, compartilhamos um silêncio mútuo, nenhum dos dois ousava ultrapassar o limite demarcado da segurança. Foram vezes de encontros casuais, que migraram pra conversas honestas, em que o tema principal era justamente o medo do tal amor, esse andarilho vadio e ardiloso. Há de se haver uma vez para a narrativa das histórias.
                Mas disse que eu encontrei-a quando já não queria mais procurar o meu amor e aí muito já havia passado desde então: outonos e primaveras inteiras, tantas tempestades assistimos cair lá fora, e quanto azul do céu merecíamos rever. Ela, uma jovem idosa, com a sabedoria prematura dos abençoados ou amaldiçoados com a inteligência. Eu, um idoso jovem, cheio de manias, brados de mau humor e reclamações batidas. Éramos o inusitado, ríamos dos outros, ríamos de nós, ríamos das nossas desilusões. Éramos dois jovens românticos e irremediáveis naqueles dias, dispostos a tudo por uma nova ilusão, bela, efêmera ou não, inócua ou o contrário, pois somos grandes de espírito. Não tínhamos medo da frustração. Eu já não queria mais procurar o meu amor, mas no fundo, na companhia dela, nas nossas horas desmedidas de longas conversas, embaladas por alguma inspiração infinita e misteriosa, eu já não precisava mais. Mas eu não suspeitava. Os amigos iam saindo e eu ia sobrando e ficando e voltando e ficando. Era apenas amizade. Eu encontrei-a quando estava distraído, observando-a, imerso em mim mesmo, temendo admitir que houvesse sucumbido novamente. Encontrei-a e duvidei.  O quanto levou foi pra eu merecer.
                Confesso que não sabia. Entender toda aquela mudança foi complexo e levou o tempo que precisou. Era muito clichê, eu costumava presumir. Nada foi estabelecido, imposto ou planejado. Fluía leve, sem rótulos nem expectadores, expectativas. Quando estávamos mergulhados em nossas dores individuais, revezávamos o papel de quem velava o sono de quem, quem enxugava o choro de quem. Éramos dois jovens poetas boêmios, hedonistas e incontestáveis. As metáforas desdobram, mas acabam por confundir. Ela me disse o que era o sufoco e eu a segui, com a premissa de dividirmos o fardo. Ninguém ousou dizer que era tarde demais, que era mesmo tão diferente assim.  Aqueles que questionavam já diziam saber o que eu e ela demoramos a perceber.
                O tempo. Ah!, o tempo... Ele se esvai sem se perceber.  Sempre que olho pra trás, sinto a saudade de tanto tempo juntos, deixado pelo caminho, lembranças boas que se acumulam das vezes em que estivemos entre amigos, que rimos de doer, as vezes em que enfiamos a casa na sacola e rumamos pra mais uma aventura, juntos, sempre juntos. Pra nós, simplesmente sair de casa já é se aventurar, pois vejo que seus olhos ainda não se cansaram, não perderam a intensidade do brilho quando cruzam com os meus, ou quando se deparam com o mundo. Seus olhos não passam a segurança de quem pensa saber tudo, seus olhos têm fome de mundo. Ela me mostrou o sossego e eu lhe mostrei alguém a fim de acompanhá-la aonde ela quisesse ir, sem pressa. E só de vê-la assim, ao meu lado, as mãos dadas, saindo numa sempre instigante caminhada, eu penso em trocar tudo o que eu tenho pra poder levá-la a qualquer lugar que ela quisesse ir. E que pena eu não ter muito. Se o tempo, esse ferrenho ditador levá-la sem mim, eu sigo o seu encalço, pego nem se for uma carona e a encontro no caminho desta mesma hora.

Inspirado na música de Rodrigo Amarante.