domingo, 4 de setembro de 2011

Esconderijo

Ele um dia acordou, sabia que era um dia comum mas algo o inquietava, não sabia o que era, só sabia que tinha que cumprir com suas funções necessárias, práticas e precisas.
Primeiro passo, tomar um banho pra tentar tirar de seu corpo a preguiça, a indisposição e todo o resto de vestígios deixados pelo sono, pelos sonhos... Sonhos... durante o banho imaginava todos eles escorrendo pelo ralo, o ralo da razão, o ralo da incerteza, o ralo da indecisão.
Na toalha que se secava ficava um pouco mais daquilo que depois seria lavado, estendido e depois de seco guardado em seu guarda roupas um pouco desarrumado.
Saiu do banheiro, os pés ainda úmidos, sentou em sua cama e lembrou que mal começava seu dia e já tinha que tomar uma decisão importante, qual seria a fantasia de hoje, qual figurino cobriria aquele corpo. Decidiu, trocou-se, voltou ao banheiro e escovou os dentes, em seguida modelou seu cabelo de tal forma que agradasse a quem o olhasse...enfim olhou-se no espelho...e o que via? Um menino, um homem, uma criança, um velho, um amigo, um ator... uma máscara... agora pronta pra sair e viver alguns dos muitos personagens.
Tinha pressa em sair, pressa em pegar seu ônibus, pressa em chegar a algum lugar que por muitas vezes não sabia onde.
Tudo passava depressa, os ponteiros do relógio pareciam estar contra ele, e entre muitos bom dias, boa tardes, estou bem e você... entre beijos e abraços, aplausos e demonstrações de carinho e amor se deu conta que era hora de voltar para o esconderijo.
No caminho tentava refazer o seu dia, mas tudo passou tão rápido que nada fazia sentido, só queria chegar, só queria tirar todo aquele peso que não estava só na mochila...o que deixava e o que levava daquele dia?
Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, e já era sábado e depois domingo, não entendia porque os dias eram contados assim...a tecnologia o aproximava mais das pessoas, e isso só crescia, mensagens, elogios, mais amor e carinho, talvez um pouco de interesse, desinteresse também...era muita gente, muitos nomes, muitos rostos, muitas frases, muita coisa acontecendo.
Responsabilidade... essa palavra pesava demais quando se tratava de missão... Ele agora chegou, foi direto ao espelho e se olhou... as marcas daqueles dias derretiam a máscara posta pela manhã, despiu-se, entrou novamente debaixo da água... não era o corpo que lavava, e sim a alma, a alma nua e pura, impura, suja, fadada...
Antes de deitar-se lembrou que não respondeu a algumas pessoas, precisava cumprir com isso pra que elas se sentissem bem, era muita gente...onde isso iria acabar?
Algo o sufocava, uma alegria e ao mesmo tempo uma agonia, uma tristeza... resolveu deitar-se em seu quarto escuro... não fechava os olhos, ouvia o barulho vindo de fora e lembrou que estavam todos lá, a espera de uma nova foto, um novo vídeo, uma nova frase, uma novidade... E se ele não tivesse nada disso no dia seguinte? Não consta em seus documentos de nascimento algum parágrafo que dite essas regras, então porque isso virou obrigação?
Agora era tarde pra voltar atrás, e sabia que dali a algumas horas um novo dia começaria, e ele ,após vestir mais uma de suas máscaras guardadas a sete chaves, interpretaria com primor mais um de seus personagens, qual? Não sabia....
Era muita gente esperando ansiosamente as luzes se acender e ele aparecer, mas lembrou que estava deitado, olhando para nada em seu quarto escuro...parecia que estava tudo em silencio do lado de fora...enfim entendeu que estando no fóco ou na coxia escura, estava sempre ...sozinho...

Inspirado na música Esconderijo de Sandy Leah

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A Programação do Dia


Letras, números, lados e ruas, informações nocivas à sua existência. A placa de pare e a vontade de se jogar ao caos dos carros passando.
Diálogos estridentes e os nervos entre os dentes, os sussurros e os cochichos daqueles que passam, e aqueles que passam nem percebe que sua cabeça não pára de crescer. O Lixo de seu inferno é o que alimenta esse crescimento, e ele tão cego nem nota. A pressa com que conduz o dia não o leva ao destino que ele mesmo nem lembra.
Diante dele pessoas, passadas, papéis, texto em forma de monstros, monstros em forma de gente e gente de forma abstrata “e onde andam seus sorrisos de ocasião? Sorrisos são feitos para serem ostentados.”
Sua cabeça transmuta e ele nem sente, suas pernas só andam e ele nem chega, ao final do dia o banho não refresca, evapora com o calor de sua imensa cabeça e ele não dorme.
Vamos lá!
Mais um dia e a engenhosa pressa lhe toma pela mão e ele nem percebe, afinal onde estará sua vida que ninguém vê?
Os diálogos são os mesmos, os carros por vezes alteram, e as pessoas insistem nos gritos, sussurros e preces
Na esquina mais próxima, dentro da tua apatia, ainda cabe espaço, para o interesse mecânico.
E então de repente sua existência se faz conhecida, mais também pudera né, em meio a explosão de sua cabeça ninguém se espantar, tempo esgotado.

Inspirado na música de O Teatro Mágico