segunda-feira, 6 de junho de 2011

Último Romance

  Eu encontrei-a quando já não queria mais encontrar o meu amor, mas isto foi depois. Encontrei-a muito antes e nos encontramos algumas vezes após esta primeira vez que já não era a primeira, pois éramos colegas de sala. Por ironia, nem havíamos nos percebido até aquela noite, em sua casa, naquela festa estranha, a primeira de sua república. Em meio ao tumulto de gente bêbada e música alta, vi só nós dois, olhando a noite, debruçados na janela, falando de cinema, música, achando gostos comuns. Também estava alcoolizado e mesmo namorado de outra, a quem eu não amava, tentei a sorte em lhe beijar, nem sabendo ao menos que ela já estava acompanhada. Esta foi a primeira vez. Nas que se seguiram, trocamos beijos, carícias e bilhetes, compartilhamos um silêncio mútuo, nenhum dos dois ousava ultrapassar o limite demarcado da segurança. Foram vezes de encontros casuais, que migraram pra conversas honestas, em que o tema principal era justamente o medo do tal amor, esse andarilho vadio e ardiloso. Há de se haver uma vez para a narrativa das histórias.
                Mas disse que eu encontrei-a quando já não queria mais procurar o meu amor e aí muito já havia passado desde então: outonos e primaveras inteiras, tantas tempestades assistimos cair lá fora, e quanto azul do céu merecíamos rever. Ela, uma jovem idosa, com a sabedoria prematura dos abençoados ou amaldiçoados com a inteligência. Eu, um idoso jovem, cheio de manias, brados de mau humor e reclamações batidas. Éramos o inusitado, ríamos dos outros, ríamos de nós, ríamos das nossas desilusões. Éramos dois jovens românticos e irremediáveis naqueles dias, dispostos a tudo por uma nova ilusão, bela, efêmera ou não, inócua ou o contrário, pois somos grandes de espírito. Não tínhamos medo da frustração. Eu já não queria mais procurar o meu amor, mas no fundo, na companhia dela, nas nossas horas desmedidas de longas conversas, embaladas por alguma inspiração infinita e misteriosa, eu já não precisava mais. Mas eu não suspeitava. Os amigos iam saindo e eu ia sobrando e ficando e voltando e ficando. Era apenas amizade. Eu encontrei-a quando estava distraído, observando-a, imerso em mim mesmo, temendo admitir que houvesse sucumbido novamente. Encontrei-a e duvidei.  O quanto levou foi pra eu merecer.
                Confesso que não sabia. Entender toda aquela mudança foi complexo e levou o tempo que precisou. Era muito clichê, eu costumava presumir. Nada foi estabelecido, imposto ou planejado. Fluía leve, sem rótulos nem expectadores, expectativas. Quando estávamos mergulhados em nossas dores individuais, revezávamos o papel de quem velava o sono de quem, quem enxugava o choro de quem. Éramos dois jovens poetas boêmios, hedonistas e incontestáveis. As metáforas desdobram, mas acabam por confundir. Ela me disse o que era o sufoco e eu a segui, com a premissa de dividirmos o fardo. Ninguém ousou dizer que era tarde demais, que era mesmo tão diferente assim.  Aqueles que questionavam já diziam saber o que eu e ela demoramos a perceber.
                O tempo. Ah!, o tempo... Ele se esvai sem se perceber.  Sempre que olho pra trás, sinto a saudade de tanto tempo juntos, deixado pelo caminho, lembranças boas que se acumulam das vezes em que estivemos entre amigos, que rimos de doer, as vezes em que enfiamos a casa na sacola e rumamos pra mais uma aventura, juntos, sempre juntos. Pra nós, simplesmente sair de casa já é se aventurar, pois vejo que seus olhos ainda não se cansaram, não perderam a intensidade do brilho quando cruzam com os meus, ou quando se deparam com o mundo. Seus olhos não passam a segurança de quem pensa saber tudo, seus olhos têm fome de mundo. Ela me mostrou o sossego e eu lhe mostrei alguém a fim de acompanhá-la aonde ela quisesse ir, sem pressa. E só de vê-la assim, ao meu lado, as mãos dadas, saindo numa sempre instigante caminhada, eu penso em trocar tudo o que eu tenho pra poder levá-la a qualquer lugar que ela quisesse ir. E que pena eu não ter muito. Se o tempo, esse ferrenho ditador levá-la sem mim, eu sigo o seu encalço, pego nem se for uma carona e a encontro no caminho desta mesma hora.

Inspirado na música de Rodrigo Amarante.

4 comentários:

  1. É incrível o poder que as palavras têm. Ver nossa história contada assim, de forma tão sublime, me traz saudade e alegria. Saudade do começo, saudade da amizade transformada em amor. Alegria, imensa felicidade pelo presente, anunciado bem antes. Ninguém dirá que é tarde demais. Nunca foi tarde demais. Tudo em sua hora. E agora é o nosso momento de aproveitar o que era o "futuro". Te amo muito, Danilo Tobias... E quero me aventurar por muitas e muitas vezes com você. De mochila ou sacola, tanto faz...

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  2. E o que dizer de tudo isso?? Eis a questão, pois é tão puro e verdadeiro, onde tudo ocorreu simples e natural, como um desejo da vida... Por juntar duas almas para todo o sempre!!! Para vcs desejo a felicidade eterna!!!
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  3. Que texto mais lindo, qta beleza descrita de forma leve e sublime, o quanto levou foi para vcs merecerem... Tenho orgulho por poder ter visto isso de perto, por poder compartilhar uma história tão linda, por poder etr amigos cmo vcs. qta felicidade isso tudo me traz. parabénsss q vcs sejam sempre muito felizes... e que sair de casa ja seja se aventurar. Fico feliz por te-los cmo amigos!!!!!

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  4. Texto lindo, cara... De arrepiar. Como a Dessa disse, é incrível o poder das palavras. Complemento dizendo que como é também incrível o poder da vida, do acaso, dos encontros daquilo que sempre esteve junto, lado a lado, pronto para apenas se reconhecer. Feliz por ver vcs felizes. Grande abraço.

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