segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Lá de longe

                 Longe, lá de longe. Lá mesmo onde de tão longe a beleza do mundo se esconde.  Mande para ontem uma voz que se expanda além das buzinas e suspenda esse instante, efêmero. Lá de longe... Cante para hoje. E onde a beleza do mundo se esconde? De onde se esconde, esconde-se do quê? Há uma harmonia infiltrada no caos, irretocável. Há muitos de nós correndo a passos largos, atropelando uns aos outros, levando um tropeção, um esbarrão. Ignorando aquilo que não queremos perceber. Mas longe, lá de longe. É um hábito todo esse afastamento seguro das faixas, demarcações, filas, protocolos, burocracia. Cante para hoje nascer um belo dia e não termos a necessidade de reparar todas as nuances presentes no cinza desse céu poluído. Mande, lá de longe, de onde toda a beleza do mundo se esconde.
                Essa voz que se expande tomando tudo para si, roçando campos inteiros, envolvendo enormes montanhas é o mesmo vento que lamenta por aqui, sibilando espremido por entre estes prédios de ferro e cimento. Essa voz que suspende o instante, roubando toda a atenção, que desfaz os incômodos, as incertezas, ouve-se pouco, abafada pelo burburinho, fones de ouvido, sirenes e afins. Passa-se quase sempre muito apressado, imerso em outras preocupações. Cante para hoje seu canto triste, leve-nos com você para onde, de tão longe, a beleza do mundo se esconde, preserva-se. Reserva-se.
                Longe, tão longe. Onde toda a beleza do mundo se esconde? De tão longe, observa-nos no vazio de nossas formas em frenesi, no entorno de nossa sombra projetada por nossos sóis noturnos artificiais. Observa-nos e nos renega sua presença. Mande para ontem um mapa de seus caminhos nômades. Mande para ontem um mapa sequer abstrato, esboçado a rimas e poesias, mas dê indícios de por onde anda e de onde se esconde e por que se esconde, esconde-se do quê?
                Está aqui entre nós como uma obsessão pelo belo e nada mais? A beleza está nos olhos de quem vê? A harmonia está nos ouvidos de quem escuta? A tristeza é um fardo solitário com quem não se pode dividir? A melancolia é uma besteira que os mais desocupados elegem como refúgio? Por que todo esse apelo pelo drama e a tragédia? O vento, mesmo fétido, carregando consigo os gases e dejetos da metrópole pouco diz, não suspende nada, não se expande, batendo-se por estes corredores de espigões, labirinto de trajetórias cegas, surdas e mudas. Cante para o amanhã. Longe, lá de longe, de onde não se sabe onde. De onde toda a beleza do mundo se esconde.


Inspirado na música dos Tribalistas.

Um comentário:

  1. Lindissimo o texto Dan, um dos meu preferidos, uma composição muito bacana, estou admirado com a beleza desse texto. Parabéns!!!

    ResponderExcluir