sexta-feira, 25 de março de 2011

Déjà-vu

          Estava num tédio danado, desses de domingo. Nenhuma verdade a machucaria. Estava alheia àquele contexto sempre tão repetido. Era um tédio danado, mas que já não surpreendia mais. No alto de suas duas dezenas de idade, percebia que já deveria ter tomado algum rumo na vida, como diziam simploriamente, ignorando as variáveis. Viu-se até mesmo uma adolescente crônica, que por certo jamais cresceria e seria decidida, autoconfiante. Todo aquele tédio que até pouco tempo era morto nas suas desandanças, em noites sem fim, noites alucinadas, acumulava-se na rotina de adulta pela qual se encaminhava agora. Mantinha-se indiferente e distante de tudo, como se já tivesse visto o bastante e sentisse prematuramente as dores da idade, já esperadas e toleráveis.
          Fazia algum tempo ela já não se interessava por algo novo, ou se distraía com o que já pressentia conhecer. Sentia-se prostrada num quarto fechado, sem aberturas de portas ou janelas, sem contato com nenhum outro humano em potencial. Era uma visão que lhe surgia, sem hora exata nem lugar, e que a detinha mesmo em meio a tanto flerte, mesmo num lugar de som muito alto e luzes descontroladas, mesmo ao lado de alguém que lhe oferecesse alguma tentativa de distensão. Bastavam apenas alguns minutos de silêncio pra que ela saísse do momento e logo se pegasse de novo sobre aquela cama, dentro daquele quarto lacrado, deitada, tranquila, consumindo-se em preguiça. Muitos se afastaram por seu estar-não-estar, alguns ainda insistiam e outros nem desconfiavam de sua apatia. Talvez fosse apenas charme. Ela se consumia em preguiça pra se desperdiçar naqueles jogos sociais e já não confiava em nada nem mais ninguém. Estava de cara blasé com a vida e esperaria o tempo que fosse pra que um dos lados deixasse um indício de cansaço denunciar a rendição do embate. Estava encarando o inimigo, ou apenas hesitando, medrosa, como aqueles que esperam o outro se mexer pra tomar uma decisão. O difícil era identificar quem ou o quê era o inimigo.
          Da janela do quarto real, ou pelo menos tateável, o mundo estendia-se irregular por sobre o teto das casas e no vertical dos prédios, numa confusão de fios e antenas e pipas presas. O mundo se desenrolava, em tons de cinza, fotografias em preto e branco, silencioso apesar de tantos ruídos. Estava num tédio danado, num dia desses de domingo e apesar do céu tão nublado, aventurou-se em se misturar ao convívio daqueles anônimos que se perdiam pelas ruas, na direção contrária de tentar achar. Eram alguns imundos pelas calçadas cujo sofrimento já não comovia mais que envergonhava quem passasse alinhado. Eram sonhos de consumo nas vitrines, objetos fúteis, livros de auto-ajuda, que não a atraíam. Sonhos predefinidos que se não realizasse e ficasse só na vontade não iriam fazer doer, pois quando se está tanto consigo mesmo, aprende-se a controlar a dor, espera-se que ela passe, sem o subterfúgio de maquinar um discurso de vítima que possa comover alguém.
          Fazia algum tempo não chovia e estava quente. Perdeu a noção do tempo, medida besta. Paranoica, pegou-se várias vezes com aquela estranha sensação de já ter passado por tudo aquilo, alguma vez, quem sabe?, numa vida passada. Mas eram apenas aquelas mesmas ruas que se repetiam abaixo dos seus pés, por onde já passara tantas vezes. Enquanto todos corriam depressa pra se proteger e outros tantos abriam seus guarda-chuvas, ela continuava indiferente, deixando-se molhar, com seu mesmo passo regular e sentindo cada pingo frio, sem medo de parecer uma doida varrida, já que estava tão à parte daquele contexto de política e protocolos. Ela não tinha pressa mesmo.

Inspirado na música de Peu Gomes e Pitty.

3 comentários:

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  2. paulo henrique dos santos(Biá)25 de março de 2011 às 19:42

    É isso aew galera cada clic um fresh!!!muito bom mesmo textos impecaveis,parabens!!!!!

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  3. É incrível como quase sempre me sinto assim...sem pressa, e ao mesmo tempo correndo contra o tempo. As coisas acontecem rápidas demais, e isso assusta as vezes... seu lindo texto me fez pensar muito, me questionar e me encontrar em muitas coisas que achei que estavam perdidas..parabéns Dan.

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