quarta-feira, 23 de março de 2011

Por que não eu?

           E mais uma vez, ela cai no sofá. Aquele velho sofá, por que não rasgado, sujo e maltratado? Ela cansou de embriagar-se lentamente em pequenas doses de vinho, tomado na delicada taça. Essa taça desse conjunto com que eu a presenteei hoje, seu aniversário. Era pra ser um jantar encomendado, só pra nós dois. Um bom vinho, um belo conjunto de taças, um jantar e um cartão. Ocasião especial. Hoje eu ia dizer aquelas coisas, que penso há tanto tempo.
            Tá, tudo bem: Um ano e três meses, exatamente. Desde o primeiro dia que eu visitei esse apartamento, e aqui já dormi, depois de um porre em comum, eu já sabia. Era ela, é ela. A doce menina do sorriso de canto, de olhos cor de mel.
             E eu não esqueci nenhuma palavra. Guardo tudo aqui, dentro de mim. A primeira vez que ela me chamou de amor. Nosso abraço, de quase trinta segundos, debaixo de chuva. Como sempre, os dois bêbados. Eu e ela, por que não? Sei de tudo que ela gosta, e do que não gosta também, me privando em tantas vezes para fazê-la feliz. Ah, é tudo que eu quero, e seria tão fácil.
            Tantos momentos, e sei relatar cada um. Tanta coisa que quero dizer, esperando a hora certa... E agora ela insiste em ter somente o travesseiro como companhia. Fui o primeiro a chegar, e certamente não irei embora. Não agora, não até ter a certeza que ela está bem, que acordará. E aí, tudo ficará igual. A coragem de me declarar já foi embora, no mesmo momento em que o vi.
            Estávamos terminando o jantar, ainda saboreando o vinho, e a campainha tocou. Fiquei surpreso, sim. Não sabia que ela esperava alguém. Como a tolice me foi traiçoeira. Era o aniversário dela, como pude pensar que seria o único a querer visitá-la? Como achei que a comemoração seria um simples jantar, encomendado só pra nós dois? Pensamento inútil, vã tolice dos apaixonados, mas... Por que não?
           Não, não mesmo. Ela esperava mais. Naquele momento, chegaram seis pessoas. Colegas do hospital, eu soube mais tarde. Bebidas na mão, presentes eu não pude ver. Não sabia que o jantar viraria uma festa, Não sabia que ele viria. Um rapaz loiro, com uma camisa de uma banda de rock qualquer. Tudo natural, pois ela nunca devia imaginar o que se passa nessa minha cabeça. Mas eu vi o jeito que ele olhava pra ela. E, quando tudo virou uma festa, para a qual não fui exatamente convidado, ele a levou pra sacada. E eu vi o beijo, ou o começo dele. A dor é ainda pior quando não é totalmente imaginada.
             E por que eu? Todos já foram embora, e agora somente eu, com um sentimento que é meu próprio algoz. Não posso culpá-la, ela não sabe. Como poderia saber? Penso que escondo tão bem. Mas a razão teima em resgatar um pouquinho de sanidade. Não, não, não. Ela não poderia saber. Por que não? Ela não me ama. Ela sabe, é isso. Ela sabe e faz aquilo que a convém. Sou um amigo, para quando não se tem nada pra depois.
             Canso-me de olhar, apenas olhar. Contemplar o belo corpo que nada sente. Não por mim. Eu, eu, eu. Sempre estou aqui, será que ela não vê? E agora que sei da verdade? E agora, que a razão finalmente me fez ver que isso não se trata de amor, mesmo que platônico. Essa obsessão que eu teimo em chamar de amor, é o que me cega. Se ela sabe que eu a amo, há tanto tempo, por que não me disse nada? Nem mesmo... um não!!! Por que? Por que não? Por que não consigo despertá-la pra mim? Eu, que sempre estive aqui...
             As perguntas me consomem enquanto fujo de minha pior dúvida. Fugir, ir embora, e quem sabe me libertar dessa prisão sem muros, ou talvez ficar, esperar. Eu tenho que falar, tentar, arriscar...
            Por que não?

Inspirado na música de Leoni, Paula Toller e Herbert Vianna

2 comentários:

  1. SÓ VC MESMO EM DESSA... SEMPRE NOS SURPREENDENDO COM SEUS TEXTOS...

    "Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo????"

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  2. Pq não? o medo q sempre impede até mesmo de ser feliz, o medo de se declarar, o medo de se apaixonar, o medo de expor a cara lavada e dizer pq não eu???? seu texto deixa tão explicito, que para ser feliz tem q se arriscar, tem q sempre acreditar que sim, pode ser vc sim, parabéns pelo lindo texto, e hj eu pergunto pra vida, pq não eu??????

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