segunda-feira, 11 de abril de 2011

Venha

    Parecia mais um dia comum, acordar, tomar banho, vestir o uniforme, tomar café da manhã pegar a bicicleta e pedalar até a loja onde trabalhava.
     Entre telefonemas, cobranças, contagem de notas e atendimento a alguns clientes, um em especial chamou atenção...de alguma forma , digamos, diferente. Ele estava acompanhado de duas amigas, e entre um comentário e outro desviava seu olhar em direção a ele que também olhava sem entender o que aquilo estava significando.
     Uma grande confusão se fez em sua cabeça que logo foi substituída pelo aviso: hora do almoço.
     Durante a refeição aquele olhar persistia em lhe olhar, mesmo não estando presente parecia que ainda estava ali, bem em frente, em todos os lugares.
     Ao voltar do almoço um recado em sua mesa: LIGAR PARA... e um numero desconhecido...perguntou para alguns colegas de trabalho que disseram se tratar de um cliente que ligou pra resolver algo, talvez sobre nota fiscal, ou sobre garantia dos produtos.
     Ligou..chamou 3 vezes e uma voz do outro lado disse: alô.
     Ele sabia de quem era a voz, mas fingiu não saber.
     - Resolvi ligar pra perguntar se não quer fazer algo depois do trabalho, poderíamos jantar juntos.
     - Sim. Ele respondeu de imediato, sem saber se a resposta havia sido por vontade ou por desconcerto. Ele sabia que era vontade.
     Encontraram em um restaurante no centro da cidade, a situação era um pouco embaraçosa mas atraente...o quem tinha ali? Qual era o objetivo daquele ritual inesperado?
     Trabalho, família, musica, teatro, cinema, baladas entre outros muitos assuntos rechearam aquele jantar, e entre um gole e outro de vinho tinto, aquele olhar que permaneceu nele o dia todo se fazia presente.... agora fisicamente.
     - Podemos ir até a minha casa e ouvir uma musica e conversar mais um pouco...
     - Pode ser... foi o mesmo sim, só que desta vez com um receio maior... não sabia quem era aquela pessoa, apesar de tantas informações que poderiam não coincidir, e partiram.
     Uma casa azul clara, grande, com um cheiro tão agradável que parecia casa de avó. Ao lado da cama um casal de velhinhos feitos de pano, tão perfeitos que pareciam vigiar aquele ambiente.
     Próximo a TV um porta CDs em forma de guitarra e muitos DVDs de filmes e alguns musicais. O assunto parecia nunca cessar, ele nunca havia conhecido alguém assim, tão cheio de histórias e um humor incomparável.
     Sentaram um ao lado do outro, uma musica agradável de fundo preenchia o ambiente, o vinho era bem melhor do que o servido no restaurante, o que mostrava um bom gosto por bebidas mais sofisticadas.
De repente uma mão em sua mão fez sua espinha se contrair e seu corpo estremecer por completo, e nas tentativas de mostrar certa segurança, o seu nervosismo se tornava mais evidente.
     A mão agora passeava pelo seu rosto, ainda de cabeça baixa com medo de encarar aquele olhar que fez parte de forma tão intensa do seu dia. Silêncio.
     Nem a musica parecia presente ali mais...ele olhou... e o olhar que vinha de encontro penetrou em seu corpo como uma navalha, a mão que estava no rosto foi para a nuca, apertando seus cabelos e conduzindo sua boca de encontro a dele.
     Os lábios se encontraram e o seu gosto invadiu sua alma, parecia que já havia provado aquilo algum dia, mas sabia que não. Sentiu sua língua quente encostando na sua e se entregou a ela, assim como quando estamos no mar e sabemos que a onda é inevitável, temos apenas que senti-la contra o corpo, neste caso, a favor do corpo.
     A mão agora já não tinham mais direção, aquele barco sem rumo e sem farol se sentiu em águas calmas, seguro e vendo estrelas... queria mais, queria ser tocado onde gostava, mesmo sem nunca ter sido tocado antes.
     As roupas começaram a se despedir da cena, permitindo apenas aos corpos viverem aquilo...corpos quentes, macios, molhados agora.
     A respiração parecia fazer uma coreografia não ensaiada, bocas, mãos, braços, pernas, peito, tudo se misturava naquele gosto incomparável.
     As palavras deram espaço a outros sons, sons de prazer, sons de êxtase... que droga era aquela que fazia a mente entrar em transe... em transa.
     Mesmo sem nunca ter vivido algo assim ele parecia saber o que fazer, apenas deixando os movimentos voluntários te guiar ...ou seriam involuntários?
     Nada era pecado naquele momento... e aquele olhar daquela manhã despertou nele algo inédito, acordou todos os pontos antes nunca mencionados, pois era só dele... e ele o entregou.
     O orgasmo então se fez presente, parecendo anunciar uma nova era... silêncio...silêncio.
     A respiração foi caindo, assim como as roupas foram voltando a seus lugares, e o trajeto até a porta de saída, a despedida, e sua casa pareceu durar segundos...quando se deu conta estava deitado em sua cama, com dois olhos arregalados no quarto escuro, e mesmo no escuro sentia aquele olhar vigiando seu sono.
Acordou, tomou seu banho, vestiu o uniforme, tomou café da manhã e pedalou até a loja, no caminho ainda em êxtase pela noite anterior tentava lembrar dos detalhes, de repente despertou quase em frente a loja, e viu muitas árvores floridas, era o primeiro dia de primavera... havia ele sonhado tudo aquilo? Não sabia, mas tinha certeza que já não era mais o mesmo.

Inspirado na música de O Despertar da Primavera, montagem de Charles Möeller e Claudio Botelho.

2 comentários:

  1. Pornográfico!!!

    Huuhauhauhauha... tô zuando, é lógico.

    Brilhante texto... Não conheço a obra original que o inspirou, mas não carece. o fio tênue que sustenta seu texto, a corda bamba, o limite dos extremos, torna-o sedutor. Ora explicitando sem nenhuma censura, ora sendo sutil pra não perder o enleio...

    Parabéns.

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  2. O desejo retratado de forma tão bela, seu texto está lindo, envolvente, da até pra sentir a respiração dos personagens,uma analogia tão bela do desejo e da primavera, das flores que a paixão faz nascer em nós. Parabéns!!!!!

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